17 de set. de 2009

Raquitismo

Definição:

RAQUITISMO É UMA DOENÇA ÓSSEA caracterizada pela diminuição da mineralização da placa epifisária de crescimento e a osteomalacia é caracterizada pela diminuição da mineralização do osso cortical e trabecular, com acúmulo de tecido osteóide não mineralizado ou pouco mineralizado. São processos que, em geral, ocorrem associados. Após o fechamento da cartilagem epifisária, ao término do crescimento, apenas a osteomalacia permanece.

A formação e o crescimento ósseo dependem da produção da matriz óssea, composta principalmente por colágeno, e de sua mineralização através da deposição dos cristais de hidroxiapatita, compostos basicamente de cálcio e fósforo. A falha do processo de mineralização tem como uma das principais causas, a inadequada concentração extracelular desses íons, e a falta ou comprometimento da ação dos elementos responsáveis por sua absorção, particularmente a vitamina D.


A vitamina D no organismo é proveniente da dieta e, principalmente, da sua síntese na pele a partir da conversão do 7-dihidrocolesterol, sob a ação do calor e dos raios ultravioleta. Circula ligada à proteína (DBP) e 2 enzimas citocromo P450 mitocondriais participam de sua bioativação.


No fígado, a 25 hidroxilase, cataliza a hidroxilação do C25, produzindo a 25 hidroxi-vitamina D (25OHD), que é a forma mais abundante na circulação.

Transportada ao rim, é convertida em 1,25 dihidroxi-vitamina D [1,25(OH)2D] pela ação da 1α-hidroxilase.

Classificação relacionada à concentração de Ca (cálcio), P (fósforo) e vitamina D:
Vitamina D
Redução dos metabólitos circulantes
Exposição insuficiente à luz ultra-violeta
Vitamina D insuficiente na dieta
Síndromes de má absorção
Metabolismo anormal
Hepatopatias crônicas
Insuficiência renal crônica
Acidose sistêmica
Uso de Anticonvulsivantes
Genéticas
Dependente de vitamina D tipo I: mutações no gene da enzima 1α hidroxilase (12q
13), autossômica recessiva (19-27).
Dependente de vitamina D tipo II ou Resistente à vitamina D: mutações no gene do
receptor da vitamina D (12q 14), autossômica recessiva (28-31). Defeitos da proteína
transportadora da vitamina D - DBP (4q) ou do seu receptor (megalina) (32,33).
• Fosfato
Perda renal: tubulopatias, S. Fanconi, oncogênica (fator humoral fosfatúrico -
fosfatonina)
(34-36).
Síndromes
de

absorção
Medicamentos: antiácidos (hidróxido de alumínio).
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Genéticas
Hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X (Xp 22): mutações no gene PEX (37-39).
Hipofosfatemia autossômica recessiva, ou dominante (12p 13) (36,41).
Hipofosfatemia com hipercalciúria (3,36)
• Cálcio
Baixa ingestão (1,42)
Síndromes de má absorção
• Defeitos primários da mineralização
Hereditários: hipofosfatasia autossômica recessiva ou dominante (1p 36) (43-45).
Adquiridos: uso de medicamentos como fluoretos, etidronatos, alumínio, chumbo.
Quadro Clínico
Apesar da existência de características específicas, as principais manifestações clínicas
são semelhantes nos diferentes tipos de raquitismo e osteomalacia, sendo mais
precoces nos casos hereditários. Os primeiros sinais e sintomas podem surgir desde o
1° ano de vida e progredir com a idade, principalmente nas regiões de
desenvolvimento mais rápido. Há atraso no fechamento das fontanelas cranianas, no
crescimento, e no desenvolvimento motor; fronte olímpica, craniotabes, retardo na
erupção dos dentes, que apresentam estrias, maior propensão às infecções e
hipoplasia do esmalte. O abaulamento da junção costo-condral determina o
aparecimento do sinal conhecido como rosário raquítico. Os ossos longos apresentam
extremidades alargadas, encurvamentos, genu varo ou valgo, coxa vara. A coluna
vertebral pode apresentar deformidades em "S", cifose, escoliose e acentuação da
lordose lombar. As fraturas não são freqüentes. Outros sintomas são hipotonia,
fraqueza muscular e dores. Convulsões decorrentes de hipocalcemia, assim como os
sinais de Chvostek e Trousseau, são características dos raquitismos dependentes de
vitamina D. A alopecia parcial ou total está presente em 2/3 dos pacientes com
raquitismo dependente de vitamina D tipo II. As infecções respiratórias são freqüentes,
principalmente quando a deformidade torácica é acentuada. Os casos adquiridos
ocorrem em qualquer faixa etária, e os adultos apresentam osteomalacia com fraqueza
muscular, dores e deformidades progressivas em coluna vertebral e nos membros
inferiores.
Radiologia
O raquitismo é caracterizado por epífises e inetáfises alargadas, "em taça", com linhas
de mineralização irregulares, sem contornos definidos e atraso na maturação. Nas
demais regiões observam-se os sinais de osteomalacia, com osteopenia generalizada,
encurvamento dos ossos longos, varismo ou valgismo em membros inferiores, pseudo-
fraturas (zonas de Looser) que são mais freqüentes em colo de fêmur, omoplata e
púbis, fraturas, deformidades na caixa torácica e coluna vertebral: vértebras
bicôncavas, cifoescoliose, lordose acentuada. Flutuações na severidade da doença
durante o crescimento, resultam no aparecimento de linhas radiodensas, paralelas à
metáfise. Nos casos dependentes de vitamin D, com hiperparatiroidismo secundário,
há áreas de reabsorção subperiosteal e cistos.
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Histologia
O raquitismo é caracterizado por alterações na placa epifisária de crescimento, onde a
zona de hipertrofia está alongada e com desorganização da arquitetura das colunas
celulares. A calcificação é retardada ou ausente, a vascularização é irregular através de
canais defeituosos. A camada esponjosa das metáfises mostra barras de cartilagem
não calcificada. O quadro histológico da osteomalacia mostra alterações da
mineralização no osso cortical e trabecular, com aumento da espessura osteóide
(superior a 15µm), deficiente marcação da frente de mineralização com tetraciclina,
diminuição da velocidade de mineralização (MLT - intervalo de tempo de mineralização
- superior a 100 dias). Nos quadros dependentes de vitamina D há áreas com sinais de
ação osteoclástica aumentada.
Raquitismo Hipofosfatêmico
Descrito por Albright em 1937, como uma forma de raquitismo resistente à vitamina D,
por esta ser necessária em doses elevadas para o tratamento. No entanto, atualmente,
o termo resistente caracteriza o raquitismo dependente de vitamina D tipo II. Formas
autossômicas recessiva ou dominante (12p-13) foram descritas, mas o raquitismo
hipofosfatêmico com transmissão dominante ligada ao cromossomo X é o mais comum.
O gene responsável pela patologia está localizado em Xp22-1 e foi denominado gene
PEX ou PHEX -gene regulador do fosfato, com homologia à família das endopeptidases
neutras, localizado no cromossomo X. Sua estrutura consiste de 22 exons que
codificam uma proteína com 749 aminoácidos. Os membros desta família possuem um
domínio amino-terminal intracelular, um único domínio transmembrana e um domínio
maior, extracelular, carboxi-terminal, com 10 resíduos de cisteína conservados. Cerca
de 31 mutações (missense, nonsense ou deleção) foram descritas até o momento
nesse gene, associadas ao raquitismo hipofosfatêmico e 6 casos de polimorfismo.
Vários genes participam da homeostase do P. Sua reabsorção, na borda em escova do
túbulo contornado proximal renal, é feita pelo cotransportador de Na e P (NPT2), cujo
gene codificador está localizado no cromossomo 5 (5q35). O NPT2 sofre ação
inativadora da fosfatonina, um hormônio peptídeo, produzido provavelmente pelos
hepatócitos, cuja estrutura molecular não está totalmente identificada. O transplante
de rins de ratos normais para ratos hipofos-fatêmicos e, também, a realização de
parabiose entre eles, evidenciou a perda de fosfato pelos rins anteriormente normais,
caracterizando a existência desse fator humoral fosfatúrico. A fosfatonina participa
também do metabolismo renal da 1,25(OH)2D através da inibição da enzima 1a-
hidroxilase ou do aumento do seu catabolismo pela ação da enzima 24 hidroxilasc.
Quadro bioquímico: pela redução da reabsorção tubular de P (RTP) verifica-se aumento
da fosfataria e hipofosfatemia. As concentrações séricas de Ca, PTH e 25OHD são
normais. A 1,25 (OH)2D está "inapropriadamente" normal. Os níveis séricos de
fosfatase alcalina e osteocalcina, enzimas produzidas pelos osteoblastos, estão
elevadas. A calciúria está diminuída ou normal. Mais raros são os casos de
hipofosfatemia com hipecalciúria. A concentração urinária de hidroxiprolina, produto do
catabolismo do colágeno, está aumentada. O AMPc urinado, reflexo da atividade do
PTH, está normal.
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Osteomalacia Oncogênica
É uma síndrome rara, caracterizada pela presença de um tumor, associado à RTP
diminuída e à osteomalacia. As alterações bioquímicas e os quadros clínico e
histológico revertem com a retirada do tumor, o qual secreta um fator humoral
fosfatúrico e inibidor da atividade da enzima 1a-hidroxilase, com redução da síntese de
1,25(OH)2D. Esse fator humoral seria a fosfatonina, ou seja, o mesmo que participa da
patogênese do raquitismo hipofosfatêmico, que envolve o gene PEX, previamente
analisado. Larga variedade de tumores em ossos e tecidos moles foi encontrada
associada à patologia: mesenquimais, angiosarcomas, hemangiomas, condrosarcomas,
carcinoma de próstata, schwanoma, osteoblastoma, tumores neuroendócrinos e
mistos. Muitas vezes o diagnóstico é difícil, pois são pequenos e de crescimento lento,
não podendo ser localizados ou totalmente removidos. Determinam o aparecimento da
osteomalacia, em geral, como doença óssea adquirida na fase adulta, sendo menos
freqüente na infância. Além do exame físico, a pesquisa envolve todos os exames
diagnósticos por imagem: ultrassonográficos, radiológicos e cintilográficos
(particularmente com octreotídeo).
Hipofosfatasia
É um tipo raro de raquitismo e osteomalacia, caracterizado pela redução da atividade da
fosfatase alcalina tecidual não específica, principalmente em fígado, osso e rim. É
determinada por mutações no gene que codifica a enzima fosfatase alcalina localizado em
1p36 (43-45). Pode se expressar em qualquer fase da vida, inclusive no período
intrauterino e perinatal, quando causa redução da mineralização óssea, polihidrâmnio,
membros curtos e deformados, podendo ser letal. A forma infantil é transmitida através de
herança autossômica recessiva e pode estar associada à hipercalcemia, insuficiência renal e
aumento da pressão intracraniana. A forma que se expressa no adulto pode ter transmissão
autossômica dominante e os níveis séricos de Ca e P são normais. Não é claro se a doença
óssea é devida a um defeito qualitativo na molécula da fosfatase alcalina, somente, ou se
há um defeito generalizado na função do osteoblasto. O gene humano da fosfatase alcalina
consiste de 12 exons, sendo a proteína codificada pelos exons 2 a 12. Cerca de 20
mutações (missense ou deleções) foram identificadas, comprometendo exons distintos, não
sendo possível relacionar o ponto de mutação com a forma da doença. Há 3 hipóteses para
explicar o comprometimento da mineralização: incapacidade de concentrar o fosfato
inorgânico, acúmulo de pirofosfato inorgânico e a perda das pontes entre as fibras de
colágeno e as vesículas da matriz.
Envelhecimento
As alterações no metabolismo da vitamina D verificadas com o avanço da idade são
atribuídas à redução da capacidade de síntese cutânea, redução da hidroxilação
hepática e renal, redução da concentração e função dos receptores intestinais e da
absorção intestinal, associada à menor exposição solar e menor ingestão de vitamina
D. Em nosso serviço, o estudo histomorfométrico ósseo através de biópsia de crista
ilíaca em pacientes idosos com fratura de colo de femur, revelou a presença de
osteomalacia em 2 dos 8 indivíduos analizados. Salientamos a importância do
diagnóstico diferencial com a osteoporose.
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Quadro Bioquímico: há redução da concentração sérica de 25OHD e 1,25(OH)2 D, com
tendência à hipocalcemia, hipocalciúria, hiperparatiroidismo secundário, aumento dos
níveis séricos de fosfatase alcalina e redução da fosfatemia.
Raquitismo e Osteomalacia Nutricionais
Não é comum o diagnóstico de raquitismo nutricional por simples deficiência de
vitamina D ou de Ca em nosso meio. Os casos podem ser subclínicos, com
comprometimento apenas do crescimento, limitados a alterações histológicas ou não
pesquisados. Todavia, a principal fonte de vitamina D no organismo é a síntese
cutânea pelos raios solares, e não a alimentar. Assemelha-se ao raquitismo
dependente de vitamina D tipo I, embora menos acentuado. Pode se instalar em
qualquer faixa etária e responde facilmente ao tratamento com doses baixas de
vitamina D. O nível sérico de 25OHD está reduzido, embora o nível de 1,25(OH)2D
esteja mantido devido a estimulação da enzima 1α-hidroxilase pelo PTH.
Tratamento
A prevenção do raquitismo e osteomalacia, é feita com a ingestão de alimentos que
contenham Ca, P e vitamina D e com a exposição à luz solar. Para pacientes cujo
quadro se instalou pela falta desses fatores, a correção da dieta e a exposição diária à
luz solar, em geral, são suficientes, podendo o tratamento ser auxiliado com lâmpadas
de raios ultra-violeta. As quantidades diárias recomendadas na dieta são: vitamina D
400 UI (10µg), Ca 1000 a 1500 mg e P 400 a 1000 mg.

Para pacientes com terapia anti-úlcera ou gastrite por tempo prolongado, recomenda-se a substituição de medicações que contenham hidróxidos de alumínio por omeprazol, ranitidina ou cimetidina.

O tratamento medicamentoso, nos casos hereditários, baseia-se na etiopatogenia do raquitismo e deve ser iniciado precocemente para evitar a progressão das deformidades ósseas. Está indicada a avaliação clínica e a análise laboratorial dos familiares, principalmente crianças. A dose e a freqüência de administração de medicações devem ser ajustadas para cada caso, dependendo dos níveis séricos de Ca, P e fosfatase alcalina e dos níveis urinários de Ca, basais e evolutivos.

Quando são administrados derivados da vitamina D, a avaliação periódica da bioquímica urinária também é importante para previnir a hipercalciúria. O tratamento, em geral, não corrige satisfatoriamente o ritmo de crescimento, as deformidades ósseas e as alterações metabólicas.

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