21 de set. de 2009

ANESTESIA EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Ac. Augusto Rafael Barsella

INTRODUÇÃO

Para o estudo das implicações anestésicas em urgências e emergências médicas é preciso conceituar estes dois termos. Urgência significa ser feito com rapidez, indispensável, imprescindível. E emergência refere-se à situação crítica, acontecimento perigoso ou fortuito.
As cirurgias realizadas sejam elas em caráter de emergência ou urgência colocam o anestesiologista frente a situações em que o estado físico do paciente pode ou não estar alterado. Na realidade, tem-se que após indicação de um procedimento cirúrgico, quando este for de caráter de urgência há uma possibilidade limitada de retardar algum tempo a operação em prol do doente a fim de que se possa prepara-lo adequadamente. Já em situação de emergência o tratamento cirúrgico é imediato, pois o paciente corre risco de morte.
Os pacientes que necessitam de procedimentos cirúrgicos, ou de emergência ou de urgência, têm maiores riscos, comparados a pacientes com cirurgia eletiva, devido à própria gravidade da agressão cirúrgica; como também à falta de preparo adequada e ideal do paciente. A estes pacientes a simples possibilidade estômago cheio e conseqüente possibilidade de aspiração pulmonar, ou ainda a situação de choque, aumenta estes riscos. Para as cirurgias de urgência ainda é possível, mesmo que precariamente, avaliar o estado do paciente antes de realizar a cirurgia.
Exemplos comuns de cirurgias de emergência são os politraumatizados, as gestantes com ruptura uterina ou deslocamentos de placenta. Exemplos de cirurgia de urgência estão os casos de apendicite, úlcera perfurada, colescitite, obstrução intestinal e outras.
As particularidades dos pacientes que necessitam de cirurgia de emergência ou urgência influenciam significativamente na escolha da conduta anestésica. Boa observação clínica e capacidade de reconhecer antecipadamente as situações críticas que tais detém pacientes detêm são os mais valiosos dotes do anestesiologista especialistas nessas afecções.

AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

A avaliação e o preparo pré-operatórios dependerão da gravidade do paciente e do grau de urgência ou emergência cirúrgicas que possui. Sempre que a situação permitir deverá ser realizada anamnnese e exame físico. Na anamnese são úteis as informações referentes às enfermidades que o doente possui, suas patologias associadas, os medicamentos em uso, a experiência anestésica prévia, a alergia à drogas, tempo de jejum e tipo de alimento ingerido na última refeição. No paciente vítima de trauma o tempo de jejum é o tempo decorrido entre a última ingestão e o momento do acidente, pois o esvaziamento gástrico pára ou diminui após o trauma. No exame físico principal atenção deve ser dada à avaliação da via respiratória, da ventilação, situação hemodinâmica e nível de consciência. Para efeitos didáticos segue abaixo uma avaliação sucinta dos principais sistemas e regiões do organismo que devem ser pesquisados numa avaliação de emergência:
01 – Sistema Respiratório: Observar se a respiração está espontânea ou não; observar ventilação, analisando ritmo e profundidade das incursões respiratórias; verificar presença de dispnéia ou cianose, pesquisar doenças pulmonares obstrutiva crônicas;
02 – Sistema Cardiovascular: Palpar pulsos periféricos avaliando freqüência, ritmo e amplitude; verificar pressão arterial e proceder à ausculta cardíaca; estar atento a possíveis traumas cardíacos diretos, contusos ou perfurantes, podendo evoluir a tamponamento cardíaco a conseqüente Tríade de Beck (hipotensão arterial, abafamento de bulhas, ingurgitamento das vais jugulares);
03 – Sistema Nervoso Central: Observar ferimentos em região craniana, nível de consciência, tamanho e reatividade pupilar. A Escala de Coma de Glasgow permite uma estimativa da gravidade da disfunção neurológica;
04 – Coluna Cervical: Presença de rouquidão, estridor, dor e incapacidade de movimentação dos membros são sinais que podem caracterizar uma lesão cervical;
05 – Abdome: Avaliar o grau de distensão abdominal e o débito da sonda nasogástrica;
06 – Extremidades: Atentar ao fato de que lesões em bacia e coxa podem provocar importantes hemorragias;

EXAMES COMPLEMENTARES PRÉ-OPERATÓRIOS

As razões para solicitação de determinado tipo de exame devem ser baseadas em na história e no exame físico do paciente; tal requisição dependerá, então, da possibilidade ou não de realização destes exames.
Quando a situação permitir esses exames devem ser sempre solicitados: radiografias de crânio, de coluna cervical, de tórax, de pelve; quantificação de glicemia, hematócrito, hemoglobina, creatinina, uréia, sódio, potássio, osmolalidade plasmática e gasometria arterial.

MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

A medicação pré-anestésica pode ser dispensada para pacientes inconscientes ou desorientados. A dor, quando existente pode, e deve, ser combatida com opióides em pequenas doses administrado de forma progressiva até abolição da dor. Como droga de escolha para esta situação está a meperidina, em doses de 1,0 mg/kg. Barbitúricos e benzodiazepínicos devem ser evitados nas situações de emergência, pois exacerbam a dor existente, deprime a consciência, a ventilação e o reflexo protetor da via aérea.
Medidas farmacológicas podem ser tomadas com o intuito de aumentar o pH e reduzir o volume de líquido gástrico, reduzindo assim o risco de síndrome de aspiração pulmonar ou síndrome de Melson. Está indicado o uso de metaclopromida (antagonista do receptor dopaminérgico e antiemético central), exceto para casos de obstrução intestinal; indicado também o uso de antiácidos não particulados, agentes bloqueadores de H2. Contra indicados estão os anticolinérgicos, pois estes diminuem o tônus do esfíncter esofagiano inferior possibilitando refluxo e regurgitação silenciosa.

MONITORIZAÇÃO

Segundo a ASA (American Society of Anesthesiologists) padrões mínimos de monitorização devem ser obedecidos, contudo todos os dispositivos monitorizadores nunca devem substituir o anestesiologista. Ainda segundo a ASA, a monitorização não invasiva básica do paciente traumatizado inclui o eletrocardiograma, a pressão arterial, a freqüência respiratória, a temperatura corporal e a contínua presença de um anestesiologista ou enfermeiro anestesista. Este nível mínimo de monitorização independe do local da anestesia.
Há outros meios de monitorar o paciente que podem, e devem, ser usados mediante a possibilidade da situação e gravidade do paciente:
01 – Pressão Venosa Central: avaliação do débito cardíaco e do retorno venoso, importante via de infusão de drogas;
02 – Sonda vesical: observação da diurese, bom indicador da perfusão renal e do balanço hídrico;
03 – Pressão arterial invasiva: feito através de cateterização arterial, útil para coleta de amostras de sangue;
04 – Oximetria de pulso: observa a oxigenação sangüínea, possibilita a detecção precoce de hipoxemia, avalia também a freqüência cardíaca;
05 – Eletrocardiograma: reconhecimento de arritmias, alterações secundárias á distúrbios hidroeletrolíticos e de isquemia miocárdica;
06 – Cateter em Artéria Pulmonar ou Swan - Ganz: fornece informações das câmaras direita e esquerda do coração, permite medidas do débito cardíaco.

CONDUTA PEROPERATÓRIA

A anestesia geral é a técnica de escolha para os pacientes com ferimentos múltiplos. A anestesia regional pode parecer atraente, pois tem pouca interferência com a função cardiopulmonar do paciente, contudo está contra indicada em casos de depressão respiratória, hipotensão, choque, coagulopatias, traumatismo craniano e raquimedular. Isto porque os pacientes com traumas sérios são beneficiados com a intubação traqueal e a ventilação mecânica. A anestesia regional é indicada para lesão isolada nos membros.
A anestesia geral tem sua administração segura para doentes com múltiplos ferimentos através do uso de drogas que minimizem a hipertensão intracraniana e a depressão miocárdica. Drogas altamente lipofílicas, como o tiopental e o sufentanil, podem ser titulados até o efeito desejado. Pacientes com instabilidade hemodinâmica necessitam de doses reduzidas de anestésicos durante a cirurgia pelo fato de que a redução do volume de sangue, provavelmente, concentre a droga no local ativo do cérebro e o fluxo hepático reduzido pode prolongar a depuração do anestésico. A intoxicação alcoólica aguda também reduz o consumo de anestésicos; enquanto que a intoxicação alcoólica crônica provoca uma um aumento na quantidade necessária de anestésico. As contra indicações são para a quetamina em pacientes com trauma de cabeça, pois aumenta a pressão intracraniana e a pressão arterial. A quetamina pode causar ainda hipotensão em pacientes com tônus simpático elevado. A succinilcolina é contra indicada pela hiperpotassemia que pode causar em pacientes com lesão do neurônio do nervo motor superior. E por fim, o óxido nitroso está contra indicado em pacientes com espaços aéreos potencialmente fechados – como pneumotórax, pneumoencéfalo – nos quais o gás poderia se acumular.

PARTICULARIDADES DO PACIENTE EM ESTADO DE EMERGÊNCIA OU URGÊNCIA

Estômago cheio: Sendo quase impossível determinar quanto tempo o estômago demora a se esvaziar após uma refeição; quando a anestesia geral é necessária esta é uma situação de grande preocupação para o anestesiologista. Pois com a perda do reflexo protetor da via aérea há a possibilidade da aspiração pulmonar do conteúdo gástrico (pneumonia aspirativa). Quando o material aspirado for sólido, existe o risco de obstrução respiratória e morte. Sendo líquido, provoca lesão pulmonar e esta dependerá do pH deste líquido aspirado. Pacientes politraumatizados e gestantes devem sempre ser considerados portadores de estômago cheio. Como precaução tem se:
01 – Intubação traqueal com o paciente acordado: difícil realização, desagradável ao paciente, contra indicada em pacientes com ferimento de ocular aberto, ferimento penetrante no pescoço, lesão de coluna cervical, doença coronariana e hipertensão arterial.
02 – Descompressão gástrica com sonda: não garante o esvaziamento gástrico, mas é de grande valia quando há grande volume de líquido, como nas obstruções intestinais.
03 – Intubação seqüencial rápida: com um relaxamento muscular obtido faz-se a intubação traqueal e infla-se o rapidamente o balonete da sonda traqueal. A compressão cricoesofágica (manobra de Sellick) associada aumenta a segurança da técnica.
04 – Uso de drogas: uso de drogas que diminuam o tempo de esvaziamento gástrico, ou que aumentem o pH do conteúdo gástrico podem ser útil, contudo só podem ser utilizadas em cirurgias de urgência. São exemplos de tais drogas a atropina, a cimetidina e a metoclopramida.
Caso o paciente não possa por si só manter a permeabilidade da via aérea, é necessário auxílio. Este pode ser conseguido pela cânula orofaríngea (Guedel), e a máscara laríngea que mantêm as vias aéreas pérvias, contudo não impossibilitam a aspiração do conteúdo gástrico. A colocação de um tubo traqueal atende a estes objetivos: permeabilidade e proteção da via aérea.
A realização de anestesias em casos de urgência ou emergência requer habilidade, espírito de equipe e experiência. São fundamentais as trocas constantes de informações com a equipe de cirurgiões.

BIBLIOGRAFIA

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